“Devo concordar que há boas razões para a reputação abalada do RH. Ele é frequentemente ineficaz, incompetente e caro; em uma frase, é um dreno de valor. De fato, se o RH continuar configurado como está hoje em muitas empresas, eu teria que responder à pergunta acima [devemos acabar com o RH?] com um sonoro ‘Sim, vamos abolir essa coisa!'”
Esse é um trecho do primeiro parágrafo de um artigo de 1998 de David Ulrich, um dos maiores pensadores do mundo na área de RH. O texto é uma provocação bem embasada sobre a ineficiência do RH em relação aos desafios corporativos cada vez mais complexos, já naquela época. Para o autor, a missão principal do setor deveria ser aumentar a competitividade das empresas.
Um quarto de século depois, estamos começando a reconhecer o RH como um setor fundamental para o sucesso dos negócios. Satya Nadella, CEO da Microsoft, afirma no livro Aperte o F5 que seu primeiro grande desafio à frente da multinacional estava relacionado a uma questão cultural. Ele enfatiza que a parceria com Kathleen Hogan, sua Chief People Officer, foi imprescindível para tocar a primorosa transformação vivida pela empresa.
Atualmente, muitos profissionais estão começando a encarar o trabalho de maneira diferente. Nesse contexto, apoiar a adaptação das organizações às mudanças radicais e imprevisíveis passa a ser função do RH, como falei no meu último artigo.
Podemos perceber essa mudança no aumento do escopo da área. De acordo com um texto recente de Josh Bersin, o RH está lidando com a necessidade de expandir seu campo de ação para além das abordagens tradicionais – e está se tornado uma peça indispensável para a construção de estratégias de crescimento ou de turnaround das empresas.
Somos chamados para calcular os custos de demissões, mas também para tomar decisões estratégicas e construir o caminho, quando necessário, para o reposicionamento da organização: nossa atuação envolve cultura, upskilling, atratividade, programas de incentivo, entre outros.
Tenho participado cada vez mais de reuniões com a presença de CEOs para discutir questões vinculadas à aprendizagem e desenvolvimento e lideranças.
Nesse contexto, surge a questão: estamos preparados para esse novo momento? Finalmente chegou a hora de o RH se sentar à mesa do conselho e influenciar ativamente nas escolhas dos caminhos estratégicos?
Quem gera os melhores resultados no RH?
Hoje enfrentamos o desafio de nos conectarmos com um grande leque de temas, do redesenho de hierarquias e estrutura organizacional ao impacto da inteligência artificial no negócio e no mundo do trabalho. Tudo isso enquanto ajudamos a criar uma cultura que engaje profissionais cada vez mais questionadores e exigentes.
Nesse cenário, as novas (e interessantes) demandas estão trazendo pessoas de outras áreas para o RH. Nas últimas duas semanas, tive três reuniões com executivas seniores que estavam sentando pela primeira vez na cadeira de desenvolvimento ou RH.
Minha expectativa é que esse movimento aumente. E há estudos demonstrando que a experiência em outras áreas é boa para o negócio. Uma pesquisa sobre high performers CHROs apresentada na convenção Irresistible 2024, por exemplo, está investigando qual é o perfil dos profissionais de RH com maior potencial de geração de resultados para suas empresas. Alguns dados preliminares:
- 84% das posições executivas das empresas de alto impacto estão ocupadas por profissionais que vieram de fora da companhia;
- Os CHROs de alto desempenho têm 220% mais experiências fora da área de RH;
- Profissionais acima dos 50 anos têm maior chance de obter uma performance acima da média.
O caso de Kathleen, CPO da Microsoft, é uma demonstração clara dessas descobertas. Antes de assumir a cadeira, ela foi desenvolvedora da Oracle e consultora da McKinsey. É graduada em Matemática Aplicada e tem um MBA por Stanford.
A solução não está dentro do RH
Para mim, há uma mensagem clara para os nativos do RH: precisamos ampliar nosso olhar e nossa experiência. As soluções para nossos desafios virão principalmente de outras áreas. Tenho visto com alegria a crescente contratação de designers, analistas de dados e comunicólogos nos times de RH. Nossas soluções para questões de engajamento, por exemplo, podem se aproveitar muito do conhecimento de ciências do comportamento, antropologia e marketing. E, para cargos de alta gestão, fazer rotações no negócio pode se tornar mandatório.
Após a pandemia, eu e meus sócios criamos uma tradição. Viajamos juntos, uma vez por ano, para participar de algum evento global, buscando conteúdos e experiências que nos provoquem e tragam inspiração para nosso trabalho junto a grandes empresas.
Nos últimos anos, escolhemos o SXSW. Em 2024, vamos para o festival de inovação da Fast Company. É claro que estamos antenados aos cases de RH. Entretanto, um olhar mais amplo para as inovações no mundo dos negócios é fundamental. Até porque somos uma empresa de inovação em aprendizagem corporativa criada a partir das perspectivas de um administrador, uma engenheira e um publicitário.
Meu convite persiste: é urgente aumentar o contato com pessoas de outras áreas que questionarão nossos dogmas e proporcionarão mudanças reais. Os novos desafios demandam novos caminhos e profissionais. Para criá-los, precisamos, acima de tudo, de repertórios diversos.
Nós do RH temos muito espaço nesse momento. Mas o caminho à frente será construído com a presença de times diversos, criativos, corajosos e conectados ao negócio.