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Jogos de fuga podem trazer prejuízos

Febre entre as empresas nos últimos meses, recurso tem sido usado para treinar e até recrutar profissionais

Por Luciana Lima
Atualizado em 5 dez 2020, 19h13 - Publicado em 23 jul 2017, 09h00
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  • Imagine que você esteja trancado em uma sala que foi cenário de um crime. Para sair, deve vasculhar todo o ambiente atrás das pistas que farão a porta se abrir. Você só tem 60 minutos. Esse tem sido o roteiro de muitos treinamentos e processos seletivos por aí.

    Os jogos de fuga, ou escape games, surgiram no Japão há cerca de sete anos e estão no Brasil desde 2015, mas foi somente no ano passado que se tornaram uma verdadeira febre e as salas passaram a ser usadas pelas empresas. O Escape Room SP, localizado na zona oeste da capital paulista, por exemplo, viu a procura pelo local triplicar nos últimos meses de 2016. “Houve uma onda no final do ano passado, mas até então era algo um pouco desconhecido. Uma prova é que 80% das pessoas que participam estão jogando pela primeira vez”, afirma João Vitor Antonini, sócio do Escape Room SP.

    Como as pessoas físicas buscam o passatempo majoritariamente nos fins de semana, logo os proprietários desses estabelecimentos viram o mercado corporativo como um potencial cliente para ocupar a estrutura durante os dias úteis. Os fornecedores prometem entender as necessidades dos clientes e oferecer um treinamento personalizado. “Temos um time de consultores de RH e psicólogos que fazem um paralelo entre o jogo e as competências que a companhia deseja trabalhar”, afirma Jeannette Galbinski, fundadora do Escape 60, em São Paulo.

    Jogo da integração

    Assim como os treinamentos ao ar livre que fizeram sucesso no início dos anos 2000, no qual as equipes eram levadas para fazer rafting ou escalar montanhas, os jogos de fuga têm por objetivo avaliar os profissionais fora do ambiente de trabalho e, com isso, captar comportamentos que ficam disfarçados no cotidiano profissional. “O escape room tem sido usado para processos de team building, no qual as empresas precisam integrar as equipes e entender as competências comportamentais de cada um. Num ambiente estressante devido ao tempo, isso fica mais fácil”, diz Antonini, do Escape Room SP.

    A companhia de pagamentos eletrônicos Cielo utilizou pela primeira vez um jogo de fuga com a equipe de trainees de 2016. Decidiu repetir a experiência com a turma de 2017, mas, dessa vez, colocando a etapa no começo do processo, que dura 12 meses. “Concluímos que seria mais interessante expor esses profissionais logo nos primeiros dias para acelerar a integração”, afirma Martha Campos, diretora de recursos humanos. A executiva acredita que a ação esteja alinhada com a trilha de aprendizado que a Cielo espera dos novos empregados, embora não tenha indicadores que comprovem a eficácia do treinamento.

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    Aliás, a falta de dados parece ser o problema dessa prática, já que nem os profissionais de RH nem os fornecedores dos jogos de fuga possuem números que provem sua efetividade. Assim, é comum ouvir alguém falar que “o pessoal gostou muito da ação”. “Os treinamentos precisam ter objetivos claros e fazer parte da estratégia corporativa. O jogo é apenas uma ferramenta; o que importa é a relação que será estabelecida entre ele e os indicadores de problemas da organização”, afirma Igor Cozzo, diretor da Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD).

    Recrutamento, será?

    Embora a procura por escape rooms seja majoritariamente para treinamentos ou para integração entre equipes, algumas companhias têm usado o recurso inclusive para contratar pessoal. Foi o caso da Nestlé, que criou a própria sala de fuga nas instalações da companhia e desenvolveu um roteiro personalizado com suas marcas para recrutar os trainees deste ano. “Optamos por trazer o jogo para dentro de casa para que os candidatos saís­sem do processo entendendo mais do negócio”, afirma Gilberto Rigolon, gerente de recursos humanos da Nestlé Brasil.

    O executivo não abre os dados de quanto custou o investimento para a organização, mas afirma que saiu “bem mais caro do que o simples aluguel” das salas. O retorno, segundo ele, está na maior exposição da marca para os jovens. “Sabemos que o mundo corporativo tradicional não é mais tão atrativo e, mesmo que a Nestlé tenha uma história e seja reconhecida, queremos nos tornar mais desejáveis como empregadores”, diz Rigolon.

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    Mesmo companhias mais moderninhas estão optando pelos jogos de fuga. O site especializado em automóveis Webmotors realizou em uma sala como essas uma das etapas do processo seletivo de estagiário para a área de marketing. “A gente achou que a proposta faria sentido para uma vaga como essa. E, de acordo com os candidatos, eles adoraram”, diz Letícia Toledo, consultora de RH da empresa. Porém, ela tem dúvida se o modelo funcionaria para uma vaga de nível mais alto ou numa organização mais tradicional.

    Estratégia de fuga

    Para Victor de La Paz, supervisor do Laboratório de Recursos Humanos da Escola de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM), o receio tem fundamento. “Quando você realiza um processo como esse, passa a imagem de que a empresa é um lugar divertido e informal. Isso pode até atrair o candidato, porém, se no dia a dia ele deparar com uma organização burocrática e cheia de processos, ficará mais frustrado, uma vez que a ideia vendida foi totalmente oposta”, diz.

    Outro risco de usar o jogo de fuga no processo de recrutamento é valorizar pessoas que já tenham participado de uma atividade assim e que, portanto, conhecem a lógica para escapar da sala. O candidato pode ser excelente no jogo e ao mesmo tempo não ter as habilidades necessárias para a função. “Outra coisa é que, nesse tipo de situação, você percebe habilidades específicas, como raciocínio lógico e tomada de decisões sob pressão, mas isso é limitante; afinal, a companhia busca um conjunto de competências”, afirma Denise Delboni, professora de administração na Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo.

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    Seja para recrutar, seja para capacitar, a adoção indiscriminada dos jogos de fuga poderá levar a prática ao descrédito, como aconteceu com os treinamentos ao ar livre. Muitos deles expunham os profissionais a situações constrangedoras ou até mesmo de assédio moral. “Se o jogo não for bem-feito, as pessoas poderão achar que é uma perda de tempo e até se sentirem acuadas”, afirma Clarissa La Croix, consultora da fornecedora de treinamentos Affero Lab. E, por fim, é preciso relembrar que os indivíduos são diversos e nem todos têm o mesmo grau de disposição ou extroversão para uma atividade como essa.

    Quando a área de RH é cobrada cada vez mais por trazer dados e propor soluções que façam sentido ao negócio, os jogos de fuga podem reviver o estigma que por anos perseguiu a gestão de pessoas e do qual o profissional de recursos humanos levou anos para se livrar, o de abraçador de árvores.

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