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Aposentadoria pode gerar depressão; veja com as empresas devem conduzi-la

A aposentadoria eleva em 40% o risco de desenvolver depressão. Por isso é importante criar políticas preparatórias para o pós-carreira

Por Marcia Di Domenico
Atualizado em 10 dez 2020, 20h42 - Publicado em 26 ago 2020, 10h00
Glaucia Teixeira, vice-presidente de RH da Novelis: programa de dez meses mostra as possibilidades para os seniores (Douglas Eiji Matsunaga/Divulgação)
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Esta reportagem foi publicada na edição 68 de VOCÊ RH.

O momento da aposentadoria é marcado por emoções e expectativas conflitantes para a maioria das pessoas. Se por um lado traz sensação de missão cumprida, libertação de certas obrigações e satisfação por finalmente ter tempo para fazer o que gosta, por outro pode vir carregado de angústias. Um levantamento de 2013 do Institute of Economic Affairs, do Reino Unido, demonstrou que a transição para a aposentadoria eleva em 40% o risco de desenvolver depressão e em até 60% o de ficar fisicamente doente. No Brasil, não há pesquisas que comprovem o impacto que se aposentar tem sobre a saúde mental, embora os especialistas garantam que ele existe mais ou menos nessa mesma proporção. “O vínculo com a depressão é subestimado. Muitas vezes, o aparecimento da doença é interpretado como inevitável no envelhecimento, mas não deveria ser”, diz Isabelle Chariglione, professora e pesquisadora na área de psicologia e gerontologia da Universidade de Brasília.

Falta de dinheiro, problemas familiares que surgem com o maior tempo de convivência e esvaziamento da rotina social ligada ao trabalho, além de questões de saúde próprias da idade, são alguns dos aspectos que emergem com a aposentadoria e podem afetar o equilíbrio psicológico do profissional idoso. Para muitos, principalmente os que encerraram a carreira ocupando posições mais altas na hierarquia corporativa, o fato de não mais se definir pelo cargo ou pelo nome da empresa também pode representar uma perda de identidade e status social com consequências no bem-estar mental.

Homens e mulheres tendem a viver essa etapa da vida de maneiras diferentes. “Por estarem acostumadas a, além da carreira, se dedicar a compromissos familiares e sociais e se dividir em vários papéis ao longo da vida, as mulheres costumam sentir menos o impacto negativo do rompimento com a rotina de trabalho”, explica Maurício Turra, consultor de negócios especializado no público sênior e cofundador da Nextt 49+.

A personalidade e o peso dado ao trabalho durante os anos em atividade também são determinantes do modo como se enfrenta a aposentadoria. “Aquele indivíduo que centrou todos os esforços na construção de uma identidade profissional, a ponto de sacrificar família, vida social e interesses pessoais, pode se ver sem nada quando não tem mais essa função na sociedade”, diz o médico psiquiatra Alfredo Cataldo Neto, pesquisador do Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUC do Rio Grande do Sul. De acordo com ele, nesses casos, a aposentadoria se torna um sofrimento.

Para evitar que os funcionários mais velhos se sintam dessa maneira, a multinacional fabricante de alumínio Novelis criou, há quatro anos, o programa Renovar, do qual pode participar qualquer empregado que tenha a partir de 53 anos de idade e mais de 30 anos de casa, independentemente do cargo. “Muitos estão em negação e cheios de dúvidas quando se aproximam da aposentadoria”, diz Glaucia Teixeira, vice-presidente de RH da Novelis.

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Ao longo de aproximadamente dez meses, os participantes passam por uma série de workshops distribuídos em módulos temáticos, que abordam autoconhecimento, envelhecimento saudável, impacto da aposentadoria nas relações familiares, afetivas e sociais, educação e planejamento financeiros e opções pós-carreira — este último trata das possibilidades de atuação profissional depois de aposentado, seja como empreendedor, seja como contratado ou prestador de serviço de consultoria.

“Nosso objetivo é conscientizar para a importância de se preparar para a transição, orientar sobre os aspectos envolvidos na realidade pós-carreira e mostrar que há muitas possibilidades nessa nova fase da vida”, afirma Glaucia.

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(Arte/VOCÊ RH)

Muito pela frente

Com o aumento da expectativa de vida, os brasileiros devem estar preparados para viver pelo menos mais 22 anos quando chegarem aos 60, de acordo com as estimativas do IBGE. Saber o que fazer com tanto tempo disponível depois de se aposentar é um desafio no qual nem todo mundo pensa com antecedência, mesmo sabendo que um dia ele vai chegar.

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Parar de trabalhar está cada vez menos entre as alternativas, seja por necessidade de complementar a renda, seja por ter disposição para se manter ativo ou para tocar um projeto pessoal ou nova carreira. Em um estudo de 2018 feito pela consultoria Mercer com 7.000 adultos de diferentes faixas etárias, 68% disseram que pretendem continuar na ativa após a idade tradicional de aposentadoria.

Planejamento financeiro é a providência número 1 quando se pensa em viver com autonomia e saúde física e mental depois de se aposentar, os especialistas defendem. Seja qual for o projeto no pós-carreira — seguir trabalhando, dedicar-se a ações voluntárias ou não fazer nada, para citar algumas possibilidades —, sem um plano que permita ter alguma renda, não dá.

No estudo da Mercer, somente 26% dos entrevistados admitiram sentir-se confiantes de que pouparão o suficiente para a aposentadoria. “Muita gente vive mais tempo aposentada do que passou trabalhando. Planejar a transição não é somente sobre como ocupar o tempo, mas sobre como aproveitar as habilidades desenvolvidas e as conquistas ao longo da vida”, afirma Renato Bernhoeft, consultor de transição de carreira da Angatu IDH e coautor do livro Longevidade — Os Desafios e as Oportunidades de Se Reinventar (Évora, 44,90 reais).

O país envelhece

Essas ações são ainda mais importantes porque a população brasileira está envelhecendo em ritmo acelerado, resultado do aumento da longevidade com a queda no número de nascimentos no país.
De acordo com dados do IBGE, os brasileiros com mais de 65 anos somam atualmente 9,2% da população. Em 2060, uma em cada quatro pessoas no país estará nessa faixa etária (o que formará 25,5% da população). O fenômeno se reflete na força de trabalho, claro. Para além do envelhecimento populacional, há, ainda, o fato de que as novas regras previdenciárias devem manter os profissionais por mais tempo em atividade nas organizações.

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Nesse contexto, as empresas têm pela frente alguns desafios: estimular a diversidade geracional e ambientes de trabalho livres de discriminação pela idade (o chamado etarismo ou ageísmo); criar estratégias de recrutamento, treinamento e desenvolvimento pensadas para o público 50+; e incentivar sua reinserção no mercado. “Também é chave que as organizações renovem os quadros de funcionários, garantindo que os conhecimentos e as tecnologias-chave para o negócio possam ser transmitidos dos trabalhadores mais experientes aos sucessores mais jovens”, afirma Renato.

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(Arte/VOCÊ RH)

Apoio das empresas

A área de recursos humanos tem um papel importante: amparar o profissional que se aproxima da aposentadoria no sentido de prepará-lo para voltar à sociedade e de incentivá-lo a construir um projeto de vida na fase pós-carreira, esteja ele ligado ou não a alguma atividade profissional.

Ainda assim, a parcela de empresas no país que investem em programas de preparação para a aposentadoria é pequena. A pesquisa O Envelhecimento nas Organizações e a Gestão da Idade, parceria da FGV com a Aging Free Fair, realizada em 2018 com 140 companhias brasileiras e multinacionais de diferentes segmentos, demonstrou que apenas 11% delas possuem projetos envolvendo os trabalhadores maduros. Outro levantamento, da Mercer, de 2019, revelou que o número de companhias que pretendem implantar programas desse tipo é quase três vezes maior do que o daquelas que o fazem atualmente. “Ajudar o trabalhador no planejamento da aposentadoria é ferramenta de engajamento e produtividade, além de somar à reputação da corporação”, diz Guilherme ­Gazzoni, líder de desenvolvimento de produto da Mercer.

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Cristiane Amaral, vice-presidente de RH da EY: a empresa aposenta compulsoriamente aos 60 anos e oferece coaching (Duda Bairros/Divulgação)

A EY, firma de consultoria e auditoria, é uma delas. Por lá, a aposentadoria é mandatória aos 60 anos e líderes têm à disposição um guia detalhado que orienta para a jornada de transição e ajuda a preparar um plano de ação para um pós-carreira bem-sucedido. Há até um cronograma com sugestões de passos importantes a serem dados em tempo hábil antes do desligamento, como comunicar clientes, construir um novo currículo, participar de ações que fomentem o network e atualizar o perfil no LinkedIn. O trabalho é individualizado, começa três anos antes da aposentadoria e oferece coaching executivo a partir do segundo ano de preparação.

“Sabemos que esse período é marcado por altos e baixos — no início, há curiosidade e empolgação, depois podem vir desilusão e crise à medida que a pessoa percebe que suas habilidades e ferramentas podem não ser suficientes para enfrentar os desafios que estão à frente”, diz Cristiane Amaral, vice-presidente de RH da EY. “Nossa motivação ao acompanhar o profissional nessa jornada é minimizar suas dificuldades, mantê-lo estimulado a buscar outros caminhos e ajudá-lo a encontrar um novo equilíbrio.” Essa equação é complexa, mas com o apoio das empresas é mais provável que os seniores se sintam prontos para essa importante etapa da vida.

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