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Mentoria afirmativa: por que é preciso personalizar o desenvolvimento

O passo além nos programas de diversidade, equidade e inclusão é individualizar a qualificação de grupos minorizados

Por Caroline Marino
Atualizado em 17 fev 2023, 15h15 - Publicado em 3 fev 2023, 09h32
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    rupos minorizados já entram na disputa pelas melhores oportunidades de trabalho em condições desiguais. Pessoas pretas podem ter menos acesso a estudo de qualidade, mulheres costumam ser sobrecarregadas com o cuidado de familiares, pessoas com deficiência e a comunidade LGBTQIA+ sofrem preconceito. Como reflexo, a ascensão desses públicos nas empresas fica mais difícil. Um estudo da consultoria McKinsey & Company em seis países da América Latina, incluindo o Brasil, com mais de 5 mil pessoas diversas em quesitos como gênero, orientação sexual e condição socioeconômica mostra que a promoção de profissionais de grupos sub-representados acontece com menos frequência, principalmente por falta de iniciativas consistentes de inclusão.

    Segundo a pesquisa, apesar de 65% dos participantes esperarem que as companhias se envolvam com o tema, só um quinto reconhece a existência de ações na empresa em que atuam. Falta também ampliar o escopo: apenas um terço das companhias tem práticas focadas na diversidade socioeconômica, por exemplo (veja mais no quadro). O estudo define os indivíduos com condição socioeconômica menos favorável aqueles que enfrentaram insegurança alimentar, tiveram acesso limitado a serviços de saúde na infância ou na adolescência, estudaram ou têm pais que cursaram até o ensino médio. “Não basta recrutar — é preciso criar oportunidades iguais de crescimento e qualificação”, diz Beatriz Federico, sócia associada da McKinsey. E é aqui que entram os programas afirmativos de mentoria.

    Com a consolidação da agenda ESG no mundo corporativo, muitos investidores já levam em conta a performance das empresas em projetos ligados a aspectos sociais, de governança e de meio ambiente. Sem um processo de inclusão bem-feito, que não pare na contratação, a marca empregadora fica prejudicada; e a chance de encontrar os melhores talentos, também. “A diversidade tem relação direta com o resultado financeiro e com um ambiente de trabalho melhor”, afirma Beatriz. “E uma empresa que olha com atenção para o tema tem quatro vezes mais probabilidade de contar com funcionários mais felizes.”

    Em um estudo da consultoria Korn Ferry com 28 líderes seniores negros de empresas listadas na Fortune 500, mais de 80% afirmam que ter um mentor é indispensável para a progressão na carreira, porque permite o aumento da exposição à alta gestão e acesso a mais oportunidades no mundo corporativo.

    Gráfico Pouca Diversidade
    (VOCÊ RH/VOCÊ RH)
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    Equidade, igualdade e diversidade

    Mas vamos começar do começo, que são os conceitos: diversidade se refere à representatividade de grupos que formam a companhia. A inclusão está ligada ao ambiente de trabalho, ao perfil das lideranças e às oportunidades de desenvolvimento e crescimento desses públicos. “E equidade se refere a oferecer oportunidades para essas pessoas levando em conta que cada uma tem um ponto de partida distinto”, diz Ricardo Sales, sócio-fundador da consultoria Mais Diversidade, pesquisador na Universidade de São Paulo e presidente do conselho do Instituto +Diversidade. “Equidade é bem diferente de igualdade, que consiste em oferecer o mesmo para todos, como se todos partissem do mesmo contexto.”

    Essas lacunas relacionadas às vivências de cada um podem ser preenchidas com programas de mentoria, que têm a vantagem de personalizar o conhecimento de acordo com as necessidades do mentorado, incluindo o contexto socioeconômico e familiar de cada um. É mais efetivo do que fazer, por exemplo, um treinamento para mulheres negras sem considerar que elas estão inseridas em realidades diferentes das de mulheres negras com deficiência ou de mulheres negras trans.

    Por onde começar

    O primeiro passo para estruturar um programa afirmativo de mentoria é mapear a composição da força de trabalho. “O que eu não enxergo não resolvo”, diz Ana Minuto, fundadora da consultoria empresarial e de carreira Minuto. A Unilever, multinacional de bens de consumo, mantém um programa de equidade de gênero desde 2018. Mas, apesar de as mulheres representarem 53% da liderança, a maioria era branca. Uma das iniciativas para mudar esse quadro foi a criação do Afrolever, grupo que tem entre suas metas aumentar a presença de profissionais negros na gestão, com mentoria para aceleração de carreira. De 2019 a 2022, a porcentagem desse público na alta liderança foi de 8,9% para 14%.

    Outra ação, de 2021, foi a parceria da TRESemmé, uma das marcas da companhia, com o Woman UP, coletivo de mulheres da Unilever, para a realização de um programa de mentoria para as funcionárias. A ideia surgiu depois de uma pesquisa feita em parceria com o Centro Internacional de Pesquisa sobre Mulheres, que constatou que 92% delas não se sentem prontas para assumir cargos de gestão, duvidam de suas capacidades para enfrentar um desafio e percebem que suas conquistas são deslegitimadas quando ouvem que tiveram “sorte” ao subir na hierarquia. O programa leva em consideração as particularidades de cada participante — se é cis, trans, não binária, preta, com deficiência, mãe. A primeira edição, em 2022, durou seis meses e reuniu mais de 200 mentoras e 500 mentoradas.

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    A iniciativa foi baseada em três pilares. Primeiro veio a conscientização de toda a empresa, em especial da liderança, sobre o tema, com treinamentos que incluíram aulas sobre vieses inconscientes. “Nossos líderes vêm recebendo capacitação há alguns anos, e isso facilitou muito o processo”, afirma Ana Paula Franzoti, diretora de desenvolvimento organizacional e cultura da Unilever. “Em 2021, por exemplo, tivemos um curso de quatro meses sobre viés e diversidade.” Depois aconteceram o preparo das mentoras, para que as sessões tivessem objetividade, e a formação de duplas ou grupos de acordo com as informações preenchidas pelas interessadas em questionários específicos.

    Disponível para qualquer funcionária da Unilever Brasil que se identifique no gênero feminino — e para todos os níveis hierárquicos, de estagiárias à alta liderança —, o programa aborda temas como escuta ativa, troca de experiências, empoderamento feminino, autoconhecimento e maternidade.

    Gráfico Motivos de Sobra
    (VOCÊ RH/VOCÊ RH)

    Ambiente e líderes preparados

    Não basta ter mentoria se o ambiente de trabalho não for inclusivo. “Os líderes têm um papel fundamental: possibilitar o protagonismo de carreira desses grupos”, afirma Andrea Schwarz, presidente da empresa de recrutamento Iigual e conselheira da startup de tecnologia EqualWeb. Para isso, é preciso incentivar que os funcionários tratem meritocracia e mérito como sinônimos, acreditando que só o esforço basta. “Se alguém não chegou ‘lá’, não significa necessariamente que não tenha mérito”, diz Ricardo Sales, da Mais Diversidade. “Talvez o que ele não teve foi oportunidade ou compreensão de que veio de um contexto mais adverso.”

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    Outro ponto importante, segundo Andrea, é criar um ambiente de segurança psicológica no qual as pessoas sejam reconhecidas e valorizadas por serem quem são — e não “apesar” disso. A Oracle, empresa de tecnologia, criou um grupo de afinidade para PCDs depois de notar que entre elas não havia um sentimento de pertencimento e de união como acontecia com as demais. “As pessoas foram criando laços e se identificando mais entre si, algo que não aconteceria em uma turma aberta para todos os funcionários, pois as necessidades são diferentes”, afirma Daniele Botaro, líder de diversidade e inclusão da Oracle para a América Latina. Os participantes formaram redes profissionais sólidas dentro e fora da empresa, e é desse networking que chegam algumas indicações de outros PCDs para vagas que aparecem. “O melhor recrutador é o próprio funcionário”, diz Daniele.

    Para impulsionar o desenvolvimento e a ascensão desse público, a Oracle estruturou um conjunto de ações, como encontros organizados por uma consultoria especializada no tema, trilhas de carreira e seis meses de mentoria individual, que será a última etapa do programa, prevista para começar entre março e abril de 2023.

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    Esta reportagem faz parte da edição 84 (fevereiro/março) de VOCÊ RH. Clique aqui para se tornar nosso assinante

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