“Se as pessoas não têm a chance de falhar, não há inovação.” Talvez você já tenha encontrado essa frase no LinkedIn – o paraíso na Terra para quem gosta de mensagens motivacionais. Sua autora é Indra Nooyi, indiana que presidiu a PepsiCo de 2006 a 2018 e hoje participa como conselheira da Amazon e do Conselho Internacional de Críquete (o esporte mais popular do mundo depois do futebol).
Tal frase remete à velha máxima de que “é errando que se aprende”. Mas é um desafio mantê-la em mente. Há, por isso, um contingente variado de pessoas que procuram nos lembrar da beleza do erro: de artistas e psicólogos a… palestrantes ultrafamosos. É o caso do venezuelano Eduardo Briceño, um consultor que ajuda a construir escritórios colaborativos e inovadores. Permitindo, por exemplo, que os profissionais errem eventualmente, como defendido por Nooyi.
Em 2007, Eduardo e a psicóloga americana Carol Dweck fundaram a consultoria Mindset Works para implementar um conceito criado por ela: o “mindset de crescimento”. Pessoas com essa mentalidade acreditam, ao contrário de pessoas com “mindset fixo”, que talentos não são inatos: são aspectos a se desenvolver com esforço e estratégia. Por isso eles vão mais longe. Empresas que adotam esse mindset, por sua vez, teriam funcionários mais comprometidos e melhores no trabalho em grupo.
Eduardo se tornou um expert em aprendizagem no mundo corporativo e escreveu, em 2023, um best-seller em que defende: é improdutivo nos concentrarmos em completar uma tarefa atrás da outra sem abrir espaço para a reflexão, a colaboração… e o erro. Este seria o “paradoxo da performance”, que causa estagnação e frustração. O segredo para superá-lo? Adotar o mindset de crescimento.
Em julho, a editora Sextante lançou uma edição do livro em português: “Mindset de crescimento: Como superar o paradoxo da performance e fazer da experimentação e do erro seus maiores aliados”. Confira um trecho da obra abaixo.
Capítulo 5: Liberando o poder dos erros
O professor da Universidade do Texas Robert Duke e seus colegas queriam descobrir qual seria a melhor forma de melhorar uma execução ao piano. Pediram então aos alunos avançados que aprendessem uma passagem do Concerto nº1 de Dmitri Shostakovich e os instruíram a praticá-la pelo tempo que fosse preciso até que pudessem tocá-la no ritmo desejado sem usar o metrônomo.
No dia seguinte, os alunos foram convidados a executar a peça. Os desempenhos foram analisados e classificados com rigor.
A conclusão?
Os pesquisadores descobriram que as estratégias usadas pelos alunos durante o exercício faziam muito mais diferença na qualidade de seu desempenho do que o tempo que tinham passado praticando. Eles também perceberam que “as diferenças mais notáveis entre as sessões de prática dos melhores pianistas e as dos outros participantes estavam relacionadas ao gerenciamento dos erros”.
No início, os pianistas mais bem classificados cometiam o mesmo número de erros que os demais; no entanto, usavam estratégias para não continuar cometendo os mesmos equívocos. Ao identificarem a causa específica de um erro, efetuavam os ajustes necessários repetidamente até corrigirem o problema.
Os erros são fundamentais para a melhoria constante, por mais dolorosos que possam ser. São também parte essencial das inovações, que sempre envolvem a identificação de problemas ainda não resolvidos e a proposição de novas soluções. Esse processo exige que observemos o mundo de perto, formulemos hipóteses sobre o que pode funcionar melhor e as testemos na prática. Como muitas não funcionarão, devemos refletir sobre os motivos, o que gera aprendizado. Faremos então tentativas mais inteligentes e, no devido tempo, criaremos inovações viáveis.
Em um mindset fixo, os erros incomodam porque parecem falhas pessoais; às vezes até os usamos como desculpas para desistir. Mas, em um mindset de crescimento, são examinados e se tornam fonte de aprendizado.
Em algum nível, entendemos a utilidade de aprendermos e nos fortalecermos com nossos erros. A realidade é ainda mais convincente: mesmo em nível biológico, erros são fundamentais para desenvolver nosso cérebro e nossa capacidade.
Em seu podcast, Andrew Huberman, um neurocientista de Stanford, destaca que, depois dos 25 anos, as únicas formas de desencadear a neuroplasticidade – mudanças na estrutura do cérebro que alteram padrões de pensamento – são quando algo realmente nos surpreende, quando algo muito ruim acontece conosco ou quando cometemos erros.
Erros levam nosso cérebro a prestar atenção: Alguma coisa nova está acontecendo aqui.
Como ninguém gosta de causar tragédias e é impossível provocar surpresas, o modo mais eficaz de estimular a neuroplasticidade é nos envolvermos em atividades desafiadoras, que não conseguimos realizar com perfeição, e aprendermos com os erros ao longo do caminho.
Vamos nos aprofundar na ciência para entender como isso funciona.
Quando estamos empenhados em aprender algo novo, nossa luta contra os erros leva nosso sistema nervoso a liberar uma substância química chamada epinefrina, que aumenta o estado de alerta, e outra chamada acetilcolina, que intensifica a concentração.
Ativadas essas substâncias, nosso cérebro tenta corrigir o erro.
Então, quando dá certo, outra substância química é liberada – a dopamina –, que abre caminho para a plasticidade e o aprendizado. Como Huberman destaca, desistir após uma frustração e afastar-se de um novo desafio é a pior coisa que podemos fazer, pois o sentimento de frustração é, na verdade, um sinal de que a neuroplasticidade está prestes a ocorrer.
O desconforto significa que o cérebro está à beira da mudança.
Se continuarmos na luta até obtermos algum progresso, a dopamina informará ao cérebro que a nova abordagem funciona melhor que a antiga. E o processo de reprogramação neural se inicia.
Se não fizermos tentativas, o cérebro jamais se reprogramará para melhor.
Se desistirmos, o cérebro se aperfeiçoará em desistir.
Se avançarmos, o cérebro se aperfeiçoará em persistir.
Lembre-se disso na próxima vez que se sentir tentado a guardar o violão para sempre ou a desistir do problema que está lutando para resolver.
Mesmo que você tenha o costume de jogar a toalha rapidamente, anime-se: Huberman observa que podemos de fato treinar o cérebro para enxergar a frustração como algo bom. Podemos mudar os modelos mentais para apreciar e até aproveitar o processo de lidar com os erros e o crescimento que dele resulta.
Neste capítulo, veremos como.
O poder da reflexão
Para aprendermos e melhorarmos, não devemos apenas cometer erros; devemos refletir sobre eles. Perceber que erramos é a senha para entrar em nossa Área de Aprendizagem e investigar o que podemos aprender por meio destas perguntas:
- O que posso aprender com o erro?
- O que farei diferente de hoje em diante?
- Se meu erro prejudicou alguém, existe alguma coisa que eu possa fazer para reparar o mal que causei?
Pesquisadores da Universidade Estadual do Michigan descobriram que, após cometerem um erro, pessoas com mindset de crescimento prestavam muito mais atenção e apresentavam um desempenho melhor em problemas subsequentes quando comparadas a indivíduos com mindset fixo. Os pesquisadores concluíram que “a atenção aos erros está intimamente envolvida na capacidade de ter um mindset de crescimento para aprender com esses erros e superá-los”.
Os erros propriamente ditos não levam ao aprendizado; refletir sobre eles, sim.
Como podemos refletir sobre um erro? Não devemos torná-lo uma obsessão nem nos estressarmos com coisas que estão fora de nosso controle. Devemos simplesmente identificá-lo e atentarmos ao que poderemos fazer diferente no futuro.
Há sempre espaço para melhorar. Nunca faremos nada perfeitamente. O mundo é complexo demais. Ao aceitarmos os erros como parte necessária da vida e do aprendizado, não precisaremos ficar angustiados quando errarmos. Se examinarmos o erro e refletirmos sobre o que precisa mudar, progrediremos com mais sabedoria.
É muito raro haver uma única explicação. Geralmente, quando algo dá errado, isso se deve em parte a alguma coisa que fizemos e em parte também a outros fatores. Quanto mais assumirmos nossa responsabilidade e nos concentrarmos em nossa parte – que podemos mudar –, mais aprenderemos com nossas ações e melhoraremos nossos resultados. E os outros nos agradecerão por isso.
Marcelo Camberos, CEO e co-fundador da Beauty for All Industries e criador das empresas de produtos de beleza por assinatura BoxyCharm e Ipsy […] afirma que quase todas as decisões bem-sucedidas em suas empresas começaram como erros.
“Nos primeiros dias da empresa, eu achava que sabia instintivamente em que gastava meu tempo, mas… passava cerca de 40% dele contratando pessoal. Se tivesse parado um segundo para mapear o uso do tempo e não tivesse confiado tanto no meu instinto, teria resolvido muitos problemas antes”, disse.
Ele acabou descobrindo que seria mais benéfico trazer alguém com experiência em contratações e delegar todo o processo de recrutamento a essa pessoa. E foi o que fez ao contratar Jennifer Goldfarb e nomeá-la cofundadora da empresa.
“Foi minha primeira startup grande, eu não sabia o que estava fazendo. Então, comecei a estudar todas as semanas, me atolando em informações”, disse ele. Se tivesse prestado mais atenção a como estava gastando seu tempo, “teria poupado muitas horas e muita chateação”.
As respostas de Marcelo a seus erros lhe permitiram identificar grandes oportunidades de melhoria e implementar mudanças. Isso o levou a instituir a análise de erros e a correção de rumos como normas culturais da empresa – e essas práticas se mostraram fundamentais para seu extraordinário sucesso.
Este texto faz parte da edição 93 (agosto/setembro) da Você RH. Clique aqui para conferir os outros conteúdos da revista impressa.
Erramos: o último parágrafo da introdução deste texto (“Em julho… Confira um trecho.”) ficou de fora da versão impressa.