“Os profissionais desta área são muito bons, mas precisam melhorar a comunicação.” “Precisamos aprender a falar com pessoas leigas nesse assunto.” “O time de marketing está reelaborando os comunicados técnicos para que fiquem mais claros.”
Essas frases são muito comuns em institutos de pesquisa e empresas com profissionais que precisam informar e influenciar diferentes públicos. Não é algo novo. Mas é uma demanda que vem se intensificando à medida que produzir e divulgar conteúdo se torna mais fácil.
Como a ideia não é criar textos que fiquem restritos a uma bolha de pessoas, é preciso abrir mão de alguns padrões de escrita para abordar temas técnicos de forma mais acessível. Há quem acredite que seriedade e credibilidade não combinam com criatividade e simplicidade. Mas eu discordo. E há dois autores que são bons exemplos disso.
Um deles é Jonathan Safran Foer, autor de “Nós somos o clima: salvar o planeta começa no café da manhã” (2020). Quem me indicou este livro foi o prof. dr. Marcelo Knobel, ex-reitor da Unicamp e curador do Prêmio Jabuti Acadêmico, que elogiou a clareza da linguagem usada pelo autor ao tratar de um tema tão complexo: a emergência climática.
Foer argumenta que os símbolos geralmente usados para sensibilizar as pessoas em relação às mudanças climáticas – como ursos polares em calotas derretidas ou canudinhos nos oceanos – são mal sucedidos. Ele constrói outros argumentos potentes, cheios de referências e dando contexto aos números.
Por exemplo: “A mudança climática não é um quebra-cabeça na mesa de centro, que fica ali para ser montado pouco a pouco na medida em que o tempo permite e que bate vontade. É uma casa pegando fogo. Quanto mais tempo levarmos para lidar com ela, mais difícil vai ser resolver”.
Outro trecho inspirador é este: “No espaço de duas décadas, o metano é 86 vezes mais poderoso [que o CO2]. Se o CO2 fosse a espessura de um cobertor comum, imagine o metano como um cobertor mais espesso do que a altura do jogador de basquete americano LeBron James.”
Recorrer a analogias e apresentar números comparando-os a algo cotidiano é uma estratégia valorizada desde a Antiguidade. Para Aristóteles, por exemplo, as metáforas e analogias eram a coisa mais importante da comunicação.
Outro livro interessante é “A little book of language” (2010) – “Um pequeno livro sobre a linguagem”, em tradução livre – do renomado linguista David Crystal. Depois de encontrar este livro, resolvi revisitar explicações sobre o tema. E, para minha surpresa, não é uma obra que fala apenas com linguistas.
Crystal usa situações cotidianas em suas explicações e menciona seus filhos em diversos trechos para falar sobre como aprendemos uma língua. Curiosidades como quantas palavras compõem nosso vocabulário aos cinco anos de vida tornam o texto mais leve, sem deixar a complexidade de lado.
Dicas de escrita
Não quero apenas dar indicações de leitura, mas também convidar profissionais de áreas técnicas – e todos que comunicam para públicos diversos – a observar quão variadas são as estratégias para furar a bolha. Eis algumas delas:
- Recorra a metáforas, faça analogias e relacione números com imagens cotidianas. Pode parecer que isso requer muita criatividade, mas basta questionar: o que chama a atenção das pessoas que vão ler o texto? Quais são os valores e as expectativas desses interlocutores?
- Inclua breves relatos pessoais no texto para aproximar o conteúdo técnico dos leitores – e use a expressão “e se” para falar de cenários hipotéticos. “E se nossos clientes estiverem exaustos de produtos com aroma de lichia?” Então, elenque os impactos de tal situação.
- Pense nas perguntas e objeções mais comuns que seus interlocutores fariam sobre o tema em questão e procure formular as respostas de forma breve, com um exemplo, uma metáfora ou uma comparação.
Eis uma última recomendação, mas não menos importante: profissionais de todas as áreas precisam ter um olhar curioso para novas linguagens e novos formatos. Isso não significa ficar à mercê de modismos, mas perceber quais recursos despertam a atenção de diferentes públicos para poder usá-los quando necessário.
São grandes desafios. Mas é preciso enfrentá-los para que o conhecimento técnico circule, propicie reflexões e influencie iniciativas em contextos diversos, seja para compreender os mistérios da linguagem humana ou para enfrentar a emergência climática.