Depois de mais de 80 dias do início da quarentena, vivemos uma crise profunda sem precedentes – e dificilmente alguém sairá ileso dos impactos negativos decorrentes da pandemia. Estamos reinventando a nossa forma de trabalhar e nos adaptando, dentro do possível, às adversidades.
Vários estudos internacionais publicados nas principais revistas científicas já trazem dados sobre como a saúde mental está sendo prejudicada pela crise da covid-19 e apontam o crescimento dos casos de depressão e ansiedade.
Além disso, três agentes estressores estão mexendo com o bem-estar mental:
• O medo de ser infectado
• O medo da crise financeira, representada pela recessão, pelo desemprego e pela fome
• O isolamento social em si, sem interações com os familiares e parentes, e o medo sobre quanto tempo tudo isso vai durar
Eu não usei a palavra “medo” tantas vezes à toa. Esse termo tem sido repetido nas pesquisas e, também, durante as minhas conversas com pacientes e profissionais que participam de meus treinamentos e webinars sobre saúde mental e mindfulness.
Até certo ponto, o medo deve ser entendido como um atributo saudável e imprescindível, que protege o ser humano dos perigos que o cercam. Nesse caso, o sentimento está presente numa intensidade equilibrada – nem a mais, nem a menos.
O medo pode se tornar um problema quando é excessivo, frequente ou quando surge em situações nas quais a maior parte das pessoas não o manifestaria. Nessas situações, ele pode se tornar exagerado ou irracional e, até, patológico (desequilibrado), transformando-se em um transtorno de ansiedade ou uma ansiedade aguda.
O fator coronavírus
Tudo isso pode ser proveniente do momento de tantas incertezas e do excesso de preocupação com o futuro – situações que causam antecipações mentais negativas e que ocasionam respostas fisiológicas e emocionais correspondentes.
Um relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para os riscos de um aumento considerável de pessoas com problemas de saúde mental nos próximos meses. A agência recomenda aos governos o fortalecimento dos serviços de saúde por meio de mais investimentos no setor. “O impacto da pandemia na saúde mental das pessoas já é extremamente preocupante”, afirmou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS. “O isolamento social, o medo de contágio e a perda de membros da família são agravados pelo sofrimento causado pela perda de renda e, muitas vezes, pelo emprego”.
No Brasil, um estudo coordenado pela Fiocruz trouxe resultados semelhantes. Já nas primeiras semanas de isolamento social, grande parte da população brasileira apresentou variações no estado de ânimo, revelou o levantamento, cuja primeira etapa foi divulgada no dia 22 de maios de 2020. Segundo o estudo, 40% disseram sentir tristeza ou depressão e 54% relataram ansiedade, nervosismo frequente.
De acordo com os trabalhos que estou desenvolvendo em empresas, o público feminino vem apresentado aumentados níveis de estresse, na tentativa de equilibrar a vida pessoal (afazeres domésticos, cuidados com os filhos e relação conjugal) e vida profissional. Os líderes relatam sobrecarga de trabalho, maior esforço e mais tempo dedicado a realizar as tarefas da empresa. E a geração Z (nascidos após 1997) demonstra mais tédio, desânimo e insegurança com o futuro, o que é representado pelo impacto financeiro e ameaça ao desemprego.
O que as empresas podem fazer
Por isso é tão importante que as empresas estejam a par dos efeitos psicológicos negativos. Elas devem intensificar a atenção e os esforços em aplicar medidas preventivas e de apoio para o próximo ciclo que vamos enfrentar, que exigirá adaptabilidade para a retomada aos postos de trabalho.
E esse assunto também preocupa os profissionais. Muitos se perguntam: como será a retomada em termos de saúde e segurança? Algumas companhias farão home office até o final do ano ou por tempo indeterminado. No entanto, alguns setores não se enquadrarão 100% neste formato e terão que tomar cuidados. Além disso, mesmo o trabalho remoto tem suas questões delicadas: a privação social do mundo off-line pode contribuir para o aparecimento da depressão.
Neste momento, as lideranças de diversas áreas (RH, Saúde Ocupacional, Jurídico, Facilities etc.) devem estabelecer protocolos de segurança claros que visem assegurar a saúde dos funcionários no retorno às atividades e programas que monitorem e apoiem a saúde e o bem-estar mental de todos.
Listo abaixo 7 medidas básicas que podem ser adotadas:
1. Pesquisa Interna de monitoramento do nível de estresse
2. Webinars ministrados por profissionais da saúde debatendo temas de saúde mental para todos os funcionários (esta é uma boa forma de psicoeducação)
3. Webinars voltados especificamente para líderes para discutir temas específicos de gestão e explicitar a importância do autocuidado.
4. Rodas de conversas internas
5. Programas de meditação Mindfulness
6. Incentivo a terapia online (para prevenção e apoio)
7. Protocolos de intervenção nos casos em que houver um prejuízo ao bem-estar mental do colaborador.
Não podemos afirmar ainda que o que vivemos hoje se transformará no “novo normal”. No entanto, este é o momento de uma nova jornada que trará (se assim encararmos) grandes ensinamentos. É necessário trazer à tona um profundo profissionalismo para manter o equilíbrio em todas as áreas da vida. Assim conseguiremos construir um futuro melhor a todos.