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Carine Roos

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Mestre em Gênero pela London School of Economics and Political Science e CEO da Newa, consultoria de impacto social para organizações.
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Ações rumo à igualdade de gênero (que vai demorar)

Iniciativas que as organizações devem implementar hoje para reduzir a lacuna entre homens e mulheres em mais de um século. Porque antes parece impossível.

Por Carine Roos
Atualizado em 18 set 2024, 19h20 - Publicado em 18 set 2024, 19h18
Bancos dispostos em uma fileira horizontal. Há apenas uma da cor rosa, ao lado de outras azuis.
 (CORDELIA MOLLOY/SCIENCE PHOTO LIBRARY / Getty Images/Reprodução)
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O Índice Global de Disparidade de Gênero, recentemente divulgado em sua 18ª edição, revelou que a redução da desigualdade entre homens e mulheres avança lentamente. O Índice, que abrange 146 economias, serve como base para análise do progresso de cerca de dois terços das economias mundiais. Embora 68,5% dos objetivos tenham sido alcançados, o ritmo de mudança é lento, o que significa que serão necessários 134 anos para atingir a paridade completa, muito além da meta de 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). 

A lacuna de gênero no Brasil melhorou apenas +0,1 ponto porcentual desde 2006, quando a medição começou. A Islândia liderou o ranking com 93,5%, sendo a única economia a fechar com mais de 90% da disparidade resolvida. No entanto, o Brasil caiu para a 70ª posição no índice de 2024, fechando 71,6% da lacuna de gênero. Isso representa uma redução de 1 ponto percentual em relação a 2023 (quando fechou com 72,6%) e uma queda de 13 posições no ranking. 

Entre as 146 economias analisadas no índice de 2024, a lacuna de Gênero em Saúde e Sobrevivência foi reduzida em 96%, a lacuna de Conquistas Educacionais em 94,9%, a lacuna de Participação e Oportunidades Econômicas em 60,5% e a lacuna de Empoderamento Político em 22,5%. 

Desde 2006, o maior progresso foi observado em Empoderamento Político, com um aumento de 8,3 pontos percentuais, elevando-o para 22,8%. No entanto, as previsões para alcançar a paridade em Realização Educacional foram estendidas para 20 anos e, em Empoderamento Político, para 169 anos. Por outro lado, o tempo para fechar a disparidade em Participação e Oportunidade Econômica foi reduzido para 152 anos. Isso indica que, embora haja progresso em algumas áreas, estamos longe de uma melhora efetiva, com algumas disparidades previstas para persistirem por mais de um século. 

Embora a lacuna de Participação e Oportunidades Econômicas tenha sido reduzida, ainda existe uma diferença substancial. Isso significa que, apesar de mais mulheres estarem entrando no mercado de trabalho, elas ainda enfrentam desafios significativos em termos de acesso a oportunidades econômicas iguais, como salários justos, promoções e posições de liderança. Ainda, a persistência de estereótipos de gênero que influenciam as escolhas educacionais e profissionais das mulheres desde cedo. Outro fator é a segregação ocupacional, que concentra as mulheres em um número limitado de ocupações, muitas vezes mal remuneradas e com poucas oportunidades de ascensão. Além disso, elas ainda enfrentam barreiras estruturais, como a falta de acesso a creches e pré-escolas de qualidade, o que dificulta a conciliação entre trabalho e vida pessoal.

Mulheres na Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática

Uma área que tenho particularmente interesse por causa da minha experiência pessoal é a de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). No entanto, as estatísticas apresentadas no estudo são preocupantes. Em 2024, as mulheres representavam apenas 28,2% da força de trabalho de STEM, em comparação com 47,3% em áreas não-STEM. A “queda para o topo” das posições de nível inicial para cargos de diretoria é mais acentuada em ocupações STEM do que em funções não-STEM. 

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As mulheres representam mais da metade da base da força de trabalho em funções não-STEM, em comparação com apenas um terço em STEM. Em cargos de liderança, elas constituem um quarto das líderes em setores não-STEM e apenas um pouco mais de um décimo em STEM. Isso coloca as mulheres em uma dupla desvantagem em relação às transições tecnológicas e da força de trabalho, pois continuam a ocupar empregos de menor crescimento e menor remuneração, que provavelmente serão negativamente afetados no curto prazo. 

A Inteligência Artificial é, sem dúvida, a maior das revoluções tecnológicas atuais e uma oportunidade única para lidar com problemas antigos com novas ferramentas. A participação das mulheres no desenvolvimento da IA aumentou significativamente desde 2016, mas continua significativamente menor do que a dos homens.

Dados do LinkedIn mostram que a concentração de talento feminino em IA aumentou de 24,4% em 2016 para 27,1% em 2024, mas as disparidades persistem. As mulheres continuam a ser sub-representadas em habilidades técnicas cruciais para o futuro do trabalho, como a IA e a ciência de dados. 

Como mudar esse cenário? 

Em 1990, a socióloga Joan Acker mencionou que somente veríamos mudanças concretas nas organizações quando o conceito de trabalho abstrato fosse abolido e houvesse a inclusão do corpo feminino. Quando isso acontecesse, veríamos uma revolução radical na transformação das organizações a partir de uma redefinição do trabalho e das relações. O ritmo do trabalho seria adaptado ao ritmo da vida privada; o trabalho do cuidado seria bem remunerado como qualquer outro; cuidar de uma pessoa doente ou ter um bebê seria tão importante quanto projetar um software; hierarquias deixariam de existir e os trabalhadores passariam a ter autonomia sobre a sua atuação profissional; homens e mulheres compartilhariam atividades igualmente nos mais diversos tipos de trabalho; e até uma vida comunitária orbitaria ao redor do trabalho a partir de uma ligação íntima entre o trabalho e vida pessoal. 

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Obviamente isso está extremamente longe de ser alcançado e a maior parte das empresas continuam “enxugando gelo” por meio de ações que não transformam as relações de poder existentes e nem melhoram a qualidade efetiva de vida das mulheres. 

O corpo feminino como um estigma

No meu estudo de mestrado em Gênero na The London School of Economics and Political Science (LSE), pude observar que o corpo feminino e seus contextos de vida inexistem para a vasta maioria das organizações. Em outras palavras, os corpos das mulheres, sua sexualidade, sua capacidade de gerir uma vida, menstruar, amamentar, cuidar de seu filho e se emocionarem são vistos como estigmas e usados como mecanismo de controle e exclusão. 

Como vivemos ainda em uma sociedade que o papel do cuidado, que não é considerado valioso e não remunerado, recae eminentemente sobre as mulheres, dedicar-se à família e ao cuidado ainda são vistos pela vasta maioria das empresas como sinais de desengajamento e descomprometimento, pelo fato de não estarem o tempo todo disponíveis para as empresas. Isso reflete-se em estagnações de carreira como lentidão nas promoções, disparidade salarial, e mais mulheres sendo demitidas ou pedindo demissão para conseguir acomodar as diferentes atribuições. Muitas delas irão buscar jornadas mais flexíveis de trabalho, empreender e realizar atividades que permitam acomodar um melhor arranjo de suas atribuições dentro e fora de casa. 

Mudar esse cenário requer que as organizações implementem jornadas de trabalho flexíveis, equiparação da licença parental, espaços mais inclusivos como salas de amamentação, instalações de banheiro que são gênero neutro ou inclusivo, cobertura integral de licença maternidade, e subsídios de creche. Além disso, lideranças mais compassivas capazes de compreender as necessidades das mulheres, mentorias customizadas para apoiar o desenvolvimento da liderança feminina, e pesquisas que contemplem a interseccionalidade de gênero, raça e classe buscando atender as necessidades não apenas das mulheres em média e alta liderança, mas especialmente aquelas que estão na base da pirâmide social das organizações. 

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Para as mulheres, acredito que a mudança ocorrerá por meio do fortalecimento de comunidades, seja através de organizações autônomas ou em aliança com outros grupos. Além disso, é essencial reconhecer as diferenças de gênero por meio da empatia e solidariedade. Somente assim conseguiremos ver progressos mais concretos na igualdade de gênero.

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