“O estresse é maior nos dias de hoje ou, na verdade, é igual ao que sempre foi?”. A provocação feita por minha orientadora era direcionada à maneira como eu apresentava meus primeiros estudos sobre a fisiologia do estresse há 20 anos. Parei e a ouvi dizer que, como espécie, sempre tivemos de lidar com predadores, conflitos, doenças, e isso sempre gerou estresse. Refleti e em seguida respondi: “Os estressores sempre estiveram presentes em nossas vidas e, de fato, a resposta emocional ao estresse é a mesma. Mas, atualmente, a frequência com que estamos submetidos a situações consideradas estressantes é muito maior. Isso está gerando maior desgaste em nosso organismo e deixando as pessoas cada vez mais doentes”.
Na época, eu era apenas uma aluna de graduação e confesso que não estava 100% segura da minha colocação, mas hoje tenho certeza que sim. As pessoas estão presas em uma rotina altamente estressante e ficando cada vez mais doentes. Entendo que grande parte dos desafios que enfrentamos são consequências do mundo acelerado, hiperconectado e imprevisível em que vivemos. Não podemos voltar no tempo e nem todos podem se dar ao luxo de viver uma rotina pacata em meio ao caos.
Se, por um lado, as organizações têm grande responsabilidade na criação de rotinas, ambientes e culturas mais saudáveis, também entendo quando as empresas cobram dos colaboradores uma certa capacidade de cuidar de si, colocar limites e zelar pela sua saúde. Afinal, se você não fizer isso, quem irá fazê-lo?
O autocuidado é um desses termos que caiu no modismo e se esvaziou tão rápido quanto ficou conhecido. As pessoas confundem facilmente esse tema com uma rotina de skincare, e as empresas cobram que seus colaboradores sejam capazes de exercer o autocuidado com a mesma competência e autonomia que se espera nas atividades técnicas. Ignorando, porém, o fato de que não há espaço para pensar em si em uma cultura na qual atender as expectativas do outro é a melhor forma de crescer profissionalmente.
Como quebrar o padrão de alienação em relação à saúde e começar a caminhada em direção ao autocuidado?
Primeiramente, devemos reconhecer que o autocuidado é uma abordagem preventiva que visa criar um estilo de vida mais saudável, que permite reduzir e, até mesmo, prevenir problemas de saúde futuros. Também há ganhos de curto prazo, como o aumento do bem-estar e melhora da criatividade, performance, comunicação e dos relacionamentos interpessoais.
O objetivo de trabalhar essa abordagem junto às empresas é dar aos colaboradores maior capacidade de escolha e controle sobre suas rotinas, fazendo com que tenham um papel mais consciente e ativo na manutenção de sua saúde e bem-estar. Mover o corpo e se alimentar bem já faz parte do repertório de benefícios e orientações oferecidos pelas empresas, assim como o acesso a atendimentos psicológicos e abordagens de relaxamento. Contudo, o que mais pode ser feito para ajudar as pessoas a desenvolver uma rotina de autocuidado? Coloco abaixo duas dicas de por onde começar:
Dica #1) Pessoas cansadas não têm autocontrole.
O sono faz parte do que chamamos de Motivação Básica, que diz respeito a tudo aquilo que é estritamente essencial para nossa sobrevivência. Quando perdemos o equilíbrio dessas variáveis o cérebro automaticamente entra em estado de alerta e reage como se houvesse uma ameaça à nossa sobrevivência. Isso provoca um redirecionamento dos recursos cerebrais, e uma das consequências observadas é que pessoas que dormem pouco ou mal têm mais dificuldade de resistir a comportamentos impulsivos e criar rotinas saudáveis.
Pessoas cansadas e esgotadas tendem a comer mais comidas ricas em açúcar, gordura e ultraprocessados, passar mais tempo nas telas, beber e fumar mais, utilizar mais aditivos. Tudo isso, além de comprometer diretamente a saúde, sustenta um padrão comportamental que eu chamo de “Ciclo dos Excessos”. Com o tempo, fica cada vez mais difícil sair dessa rotina que nos torna vulneráveis a inúmeras doenças.
Para quebrar o padrão, crie programas e oriente os colaboradores a investir em uma rotina que valorize o descanso. Fale sobre higiene do sono, a importância de se desconectar no final do dia e incentive que aproveitem as férias e os finais de semana para desenvolver atividades prazerosas e relaxantes, como forma de investir em um descanso de qualidade.
Quando estamos descansados, fica mais fácil ter “força de vontade” para fazer o que precisa ser feito. Somos capazes de sustentar o autocontrole – que exige muita energia do cérebro –, evitando a procrastinação.
Dica #2) Aprender algo novo é regenerador!
Aprender algo novo, desenvolver novas habilidades e exercitar a criatividade são estratégias menos óbvias, porém extremamente eficientes quando falamos de aumentar o bem-estar e a motivação das equipes. Mas isso não pode ser algo imposto. As pessoas devem ter liberdade para escolher o que desejam fazer.
Atualmente, muitas empresas oferecem conteúdos em plataformas digitais ou financiam treinamentos, mas será que não podemos ser mais abrangentes nessas propostas? É importante diversificar ao máximo os conteúdos oferecidos, incluir experiências práticas e, inclusive, oportunidades para as pessoas desenvolverem novas habilidades, como jardinagem, pintura e culinária.
O exemplo também deve estar presente. As lideranças precisam criar espaços de troca e compartilhar insights e experiências, sem limitar esse processo de forma estrita ao que se relaciona com o trabalho do grupo. Converse com sua equipe sobre seu processo de desenvolvimento para incentivá-los, dê dicas e apoie as ambições de seus colaboradores. Estimule que eles experimentem diferentes conteúdos e práticas, sem a pressão de entregar uma tarefa ou atingir as expectativas da organização.
Além de estimular a cultura do Lifelong Learning, essas iniciativas ensinam as pessoas a se desconectar do trabalho, ser mais flexíveis, abrir mão do controle, lidar melhor com o erro e exercitar a vulnerabilidade. Aprender coisas novas também ativa nossa Motivação Intrínseca, traz sentimentos de competência e autoeficácia, além de aumentar o repertório de conhecimento e habilidades. Todas essas são perspectivas fundamentais para a criação de um time resiliente e inovador.
É verdade que o mundo moderno nos deixa cada vez mais estressados, mas também é verdade que temos o conhecimento e os recursos necessários para lidar com esse desafio. O que ainda nos falta é a capacidade de aplicá-los corretamente no dia a dia das organizações. Só assim poderemos colher os frutos de uma gestão baseada na fisiologia do cérebro humano.