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Corrida por talentos: como atrair profissionais de tecnologia?

A área de tecnologia terá que recrutar cerca de 420.000 profissionais nos próximos três anos — mas o Brasil só forma 46.000 pessoas

Por Caroline Marino
Atualizado em 18 out 2021, 13h37 - Publicado em 20 ago 2021, 07h00
Imagem mostra Alexandre Benatti, um home branco, de cabelos escuros, olhando pela janela de um prédio corporativo
Alexandre Benatti, diretor de recursos humanos da Atos para a América do Sul: processos mais curtos e aulas para formar futuros profissionais  (Celso Doni/VOCÊ RH)
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Esta reportagem faz parte da edição 75 (agosto/setembro) de VOCÊ RH

Com a corrida pela digitalização, as empresas vivem um paradoxo: estão abrindo vagas de TI, mas não conseguem preenchê-las. Uma projeção da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) afirma que a área terá que recrutar aproximadamente 420.000 profissionais nos próximos três anos — mas o Brasil só forma 46.000 pessoas por ano. “O mercado já estava aquecido, com muitas empresas investindo na automação de processos, mas com a pandemia de covid-19 isso se intensificou, e novos pilares entraram na busca por pessoas de TI”, diz Caio Arnaes, diretor de recrutamento da Robert Half.

O primeiro pilar, segundo ele, é que a adesão ao home office, com a maior parte dos trabalhadores trabalhando de casa, abriu muitas brechas de segurança, e os ataques cibernéticos aumentaram — o que demanda profissionais especializados. O segundo está relacionado à quebra de barreiras geográficas nas contratações de funcionários, já que as companhias perceberam que é possível contar com pessoas de qualquer lugar. “Vimos um movimento de muitos negócios de fora, como Estados Unidos e Europa, buscando pessoas aqui no Brasil”, afirma Caio. Empresas do Vale do Silício, por exemplo, contrataram desenvolvedores brasileiros fluentes em inglês com um salário muito atrativo. Isso fez a disputa por talentos — que já era alta — ficar ainda maior.

Outro ponto, de acordo com Aliesh Costa, CEO da consultoria Carpediem RH, é a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), em vigor desde setembro de 2020, que obrigou as empresas a buscar adequações na forma de tratar os dados pessoais de seus clientes. “Para se adequar à nova lei, as organizações passaram a contratar mais profissionais de TI”, diz.

 Seleção redesenhada

Essas mudanças exigem do RH um novo olhar para as ações de recrutamento e seleção dessa área — e uma das mais urgentes é diminuir o número de etapas. Processos de cinco ou seis fases devem dar lugar a programas mais ágeis. “Quanto mais curto, melhor. É preciso ter em mente que, geralmente, os profissionais estão participando de mais de uma seleção por causa do mercado aquecido, e corre-se o risco de perder talentos com processos muito longos”, explica Caio.

Na Atos, empresa que atua com serviços de tecnologia, a forma de abordagem já mudou. “Não dá mais para aplicar um programa de testes intenso e cansativo. O número de etapas depende da posição, mas tentamos que, entre o contato do recrutador e a entrevista com o gestor imediato, haja no máximo três interações”, diz Alexandre Benatti, diretor de recursos humanos da Atos para a América do Sul. A ideia é pensar no recrutamento como uma jornada de experiência, sem baixar a régua de qualidade, mas oferecendo um processo que seja interessante e atrativo para o candidato. Em alguns casos, por exemplo, a aposta é realizar entrevistas em grupo, com duas ou três pessoas falando com o profissional em apenas um contato.

Outra iniciativa da empresa é estabelecer parcerias com instituições de ensino para capacitar profissionais de TI em diversas regiões do país. No início deste ano, por exemplo, a companhia iniciou uma parceria com a Universidade Franciscana (UFN) de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Com isso, foi possível a criação do primeiro centro tecnológico da região, o que beneficiou os estudantes da UFN e os moradores da cidade de Santa Maria. De acordo com Alexandre, as academias, como são chamadas as capacitações, abordam temas que envolvem toda a jornada de tecnologia — da programação ao atendimento ao cliente —, como service desk, Java, ABAP e SAP. A iniciativa é uma das estratégias de recrutamento da empresa que, além de formar mais profissionais para o mercado, seleciona os melhores talentos para atuar na Atos. “Todos os programas são acompanhados por especialistas da Atos, seja para desenhar o curso, seja para disseminar conhecimento. Assim, conseguimos ver quem está se destacando e tem potencial e perfil para entrar na empresa”, afirma.

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Passo a passo

– Defina corretamente o perfil técnico e comportamental

– Olhe para o perfil da empresa e seus aspectos culturais

– Entenda o projeto em que o profissional vai trabalhar, assim como as tecnologias envolvidas

– Avalie os candidatos que realmente possuem os requisitos técnicos da vaga, lembrando que experiência é diferente de conhecimento

– Os testes técnicos, quando aplicados, não devem ultrapassar uma hora. Evite aplicar testes para posições de nível sênior – uma conversa técnica resolve

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– Sempre que possível, seja transparente com relação às faixas salariais das vagas e, principalmente, dê retorno aos candidatos entrevistados

Porta de entrada

Investir na formação de novos profissionais por meio de programas bem estruturados de estágio é outra maneira de preencher as vagas de TI. A Companhia de Estágios, que oferece soluções em recrutamento e seleção de estagiários, trainees e aprendizes, mostra que a busca por estudantes de TI aumentou 73% em três anos. Hoje, no banco de talentos da empresa, que conta com cerca de 1,4 milhão de universitários cadastrados, 83.000 são estudantes de tecnologia. Só em 2020, ano em que se iniciou a pandemia, a busca por estagiários tech cresceu 11% — isso em um período em que a abertura de novas vagas caiu em média 30%.

Segundo Tiago Mavichian, CEO da Companhia de Estágios, a escassez de gente qualificada para segmentos altamente estratégicos, como cibersegurança, computação em nuvem, inteligência artificial, internet das coisas e big data, tem levado companhias a criar programas de estágio de tecenologia, que devem contar com mentorias, treinamentos, cursos e imersões em problemas do negócio. Tiago exemplifica com a aplicação dos chamados hackathons — desafios nos quais as empresas buscam encontrar talentos de tecnologia que resolvam desafios reais enfrentados pelas organizações.

O Hospital Sírio-Libanês é uma das empresas que apostam nesse tipo de prática. O Programa Tech Estágio começou no início deste ano, teve mais de 3.000 inscritos e se divide em três etapas: teste online, entrevistas coletivas e hackathon. A instituição selecionou oito dos 240 estagiários entrevistados. “O objetivo da ação é fortalecer a marca empregadora em tecnologia do hospital e formar profissionais com conhecimento técnico na saúde, olhar sistêmico de TI e impacto no negócio”, diz Glaucia Nogueira, superintendente de pessoas e cultura organizacional da companhia. No programa de estágio de tecnologia do Sírio, os jovens funcionários precisam desenvolver um projeto de TI que será apresentado para a área em que o estagiário está atuando e para a diretoria. Além disso, os estudantes rodam por diferentes departamentos. “O profissional passa por várias áreas de tecnologia, além de setores como centro de diagnóstico e farmácia. A ideia é que conheça toda a estrutura da empresa: dos departamentos com grandes cases de TI aos que precisam implementar alguma ação nesse sentido”, explica.

Atitudes contam

Olhar para a parte técnica é essencial para a contratação de profissionais de TI, mas o RH não pode deixar de lado o comportamento, como explica Carlos Guilherme, CEO e sócio da FESA Group, consultoria especializada em gestão de talentos e desenvolvimento organizacional. “As empresas estão muito acostumadas a checar o perfil técnico, como as linguagens de TI que o candidato conhece, mas esquecem que esse profissional também vai se relacionar com outras pessoas, seja como gestor, seja como liderado”, diz. Sempre bom lembrar que, sem equilíbrio entre o técnico e o comportamental, a companhia pode ter problemas muito sérios com os profissionais no futuro.

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Nesse sentido, o Hospital Sírio-Libanês aposta em trilhas de treinamentos que desenvolvem competências e comportamentos para a formação de um profissional completo, como empatia, feedback, comunicação não violenta, planejamento de carreira e metodologia ágil. Há, ainda, mentoria com tutores da empresa, tanto de tecnologia quanto do RH.

“Já vemos empresas olhando muito mais para a história de vida do profissional, seu potencial, sua vontade e seus valores. Quando encontram uma pessoa conectada ao propósito empresarial, fica muito mais fácil acelerar a aprendizagem da parte técnica”, explica Tiago, CEO da Companhia de Estágios.

De olho na diversidade

Na corrida por profissionais qualificados em TI, outro ponto que merece atenção é a inclusão — e uma das maneiras de aumentar a diversidade é ampliar a busca, convidando pessoas que não são da área de tecnologia. Foi o que fez o Itaú Unibanco, que criou em março deste ano um programa de formação exclusivo para pessoas com deficiência que ainda não têm conhecimento em tecnologia ou que estão em transição de carreira. O projeto de formação capacita os alunos para que se tornem analistas back-end. Em apenas uma semana após o lançamento, foram mais de 1.000 inscrições. O Itaú já capacitou 98 profissionais e contratou 33 deles até julho deste ano.

Segundo Valéria Marretto, diretora de recursos humanos do Itaú Unibanco, para ampliar ainda mais o leque de diversidade, foram realizadas contratações rápidas de TI para mulheres e pretos e pardos entre março e junho de 2021. “Estamos investindo em lives e cursos curtos para mostrar como é trabalhar na empresa e levar um conteúdo relevante para as diversas comunidades de tecnologia”, diz. A ideia é que a companhia tenha times com perfis que contemplem diferentes modos de pensar para que as percepções e soluções sejam realmente complementares. Nesse sentido, Valéria explica que, quando falamos em acessibilidade, por exemplo, é essencial que pessoas com deficiência sejam envolvidas no processo de criação das soluções — só assim as barreiras serão corretamente identificadas e eliminadas.

Fuja dessas práticas

1. Buscar apenas formados na área
Com a escassez de profissionais preparados, o RH deve ser flexível, olhando para possibilidades que vão além dos cursos voltados à TI, como ciência da computação, engenharia de software e análise e desenvolvimento de sistemas. “Há graduações bem interessantes para trabalhar nessa área, como todas as engenharias, matemática e estatística”, explica Tiago Mavichian, da Companhia de Estágios.

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2. Esquecer o comportamento
Boa comunicação, empatia, cordialidade e entendimento do negócio são competências que também devem ser observadas na seleção de profissionais de TI. “Não adianta, por exemplo, o candidato ser um gênio de desenvolvimento, se não entende do negócio, nem tem habilidade para lidar com pessoas”, diz Caio Arnaes, da Robert Half. Assim como não adianta ser tecnicamente bom sem compartilhar dos valores e princípios da empresa.

3. Criar processos muito longos
Programas com cinco ou seis etapas e que duram meses precisam ficar no passado. O RH deve ter em mente que os profissionais de TI estão disputados e participam de mais de uma seleção ao mesmo tempo. O ideal é ter, no máximo, três interações.

4. Não prestar atenção no job description
A descrição do cargo deve estar totalmente alinhada com o perfil que a empresa busca. Isso porque, o universo de especialidades nesta área é enorme e é comum a exigência de conhecimentos específicos. 

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