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Futuro do Trabalho

O modelo híbrido de trabalho veio para ficar?

Mesclar o home office com a atuação no escritório tem ganhado força. Mas implementar esse desenho exige um novo olhar para as práticas de RH

por Caroline Marino Atualizado em 14 jun 2021, 19h40 - Publicado em
16 abr 2021
08h05

Esta reportagem faz parte da edição 73 (abril/maio) de VOCÊ RH

E

m março de 2020, como reflexo da pandemia de covid-19 e das restrições à circulação de pessoas, as empresas — mesmo as mais tradicionais — precisaram adotar o home office da noite para o dia. Passado pouco mais de um ano desde que a crise começou, muitas companhias começaram a se questionar se a volta ao escritório como era antes — todos os dias da semana, das 9 às 18 horas — é, de fato, o modelo ideal.

Segundo uma pesquisa feita pela consultoria de recrutamento Robert Half com 1.500 executivos de empresas no Brasil, Alemanha, Bélgica, França e Reino Unido, a tendência é o chamado anywhere office, ou escritório em qualquer lugar, em português. Para 95% dos entrevistados, o trabalho híbrido é visto como parte permanente do cenário de empregos. Os principais benefícios desse modelo, segundo o levantamento, incluem equilíbrio entre vida pessoal e profissional e redução de custos de escritório.

Anywhere office é para a sua empresa?

Esse desenho consiste em adotar o trabalho remoto durante alguns dias da semana e o presencial nos outros. Mas é importante ter em mente que a implementação exige cuidados, e que nem todas as empresas estão preparadas — ou têm perfil — para isso. Em setores como o de tecnologia é mais fácil atuar remotamente, mas nas companhias tradicionais e nas que exigem mais interação entre funcionários e clientes, como no setor de vendas, estar no escritório faz parte do sucesso da operação.

De acordo com Rafael Souto, presidente da Produtive, consultoria de planejamento e transição de carreira, a organização precisa refletir sobre alguns pontos para iniciar o processo: qual é a diversidade de atividades que o negócio possui? Quais são a cultura e o estilo de gestão? Há incentivo para o protagonismo de carreira e para a autonomia? Quais são os impactos da mudança nos rituais de socialização? Há tecnologia suficiente para o suporte do trabalho remoto?

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Rafael explica que as respostas a essas perguntas vão nortear a empresa para decidir que caminho seguir. “A partir delas, pode-se chegar à conclusão, por exemplo, de que será preciso treinar a liderança para sair do sistema de comando e controle para o de colaboração e confiança”, diz. É preciso ter cuidado: há muitas organizações pensando no híbrido apenas para seguir uma tendência ou ser modernas, mas não se trata de algo simples nem que deve ser feito no curto prazo.

O primeiro ponto é ouvir atentamente os funcionários e entender o que, de fato, faz sentido para eles. “Um dos erros do RH é achar que todas as pessoas são iguais e desenhar um modelo com base nisso”, diz Maria Augusta Orofino, consultora da HSM. Mas mudar algo tão profundo requer a abertura do diálogo com todos os profissionais dos diretores aos estagiários. Isso pode ser feito com pesquisas de clima, conversas entre times e líderes ou pesquisas curtas, as famosas pulses. Mas é importante que as análises sejam quantitativas e qualitativas para mapear, por exemplo, por que o grupo A prefere o home office e o B o trabalho presencial. 

Políticas revisitadas

De acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Santa Catarina, uma gestão efetiva do teletrabalho depende de três níveis. O primeiro é o do indivíduo, que deve ter autonomia para organizar seu home office, equilibrando a vida familiar e a profissional e gerindo seu tempo. O segundo é o da liderança, que precisa valorizar os relacionamentos, oferecer livre escolha do local de trabalho aos profissionais e atuar com uma gestão mais voltada para os resultados do que para os horários. O terceiro nível diz respeito à organização e sua aprendizagem, que deve contribuir com a gestão do conhecimento entre diferentes setores e hierarquias, oferecer apoio de recursos tecnológicos e físicos, e garantir a satisfação no trabalho. 

Nesse sentido, é necessário revisar todas as políticas de recursos humanos. Deve-se ter em mente que o modelo híbrido exige mais do que investimento em tecnologia para prover os equipamentos e a conectividade, e redesenhar o escritório para uma arquitetura que estimule a colaboração, como em um coworking. Segundo Tatiana Fernandes, sócia e líder de capital humano da consultoria PwC Brasil, o RH deve revisitar todos os contratos de trabalho e processos de gestão de pessoas.

Tatiana recomenda trabalhar em conjunto com os assessores jurídicos da empresa para mergulhar nas práticas vigentes, que precisam estar relacionadas ao novo modelo. “Pode ser preciso reavaliar o vale-transporte, adequando-o à realidade híbrida, por exemplo, e adicionar uma ajuda de custo para o trabalho remoto, como auxílio para pagamento de internet, luz e telefone, e mobiliário ergonomicamente adequado”, diz Tatiana. Outro exemplo são as avaliações de desempenho, que não podem mais acontecer apenas uma vez ao ano. O recomendado é realizá-las pelo menos a cada três meses e estabelecer diálogos de carreira para o profissional com frequência. 

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Na lupa 

A aposta da Neogrid foi atuar com subprocessos de RH para se preparar para o trabalho remoto. A companhia revisitou os pilares de treinamento e desenvolvimento, comunicação, cultura e engajamento, saúde, segurança e bem-estar, e diversidade e inclusão. A ideia é conseguir mapear todas as políticas da empresa e readequar o que for necessário. Entre as ações está o redesenho do escritório, que passa a ser mais colaborativo e sem baias definidas, e o preparo de todo o time para a adesão a uma cultura mais orientada ao resultado, com a ampliação da colaboração. “É um desafio, pois viemos de uma gestão de comando e controle. E, ao mesmo tempo que clamamos por liberdade, a ideia de controle ainda está enraizada na cabeça de muitas pessoas”, diz Ariane Espindola, líder de gente e gestão da Neogrid. 

A empresa realizou alguns treinamentos, entre eles a capacitação da liderança em empatia e em temas que ajudam na construção de relacionamentos remotos, como feedbacks efetivos e delegação de tarefas. “Estamos trabalhando o despertar de consciência da liderança para que todos tenham uma linguagem mais acolhedora e passem a ter uma escuta mais ativa e empática”, diz a executiva. A Neogrid também implementou, na universidade corporativa, trilhas de aprendizado voltadas para a ergonomia de modo a auxiliar os profissionais a criar um home office em casa. Nesse sentido, há também a possibilidade de alocar um profissional de medicina do trabalho para sugerir melhorias. 

Segundo Priscilla Bencke, especialista em neurociência aplicada à arquitetura e CEO do escritório Qualidade Corporativa: Smart Workplaces, esse cuidado com o ambiente em que se vai trabalhar é essencial. Muitas pessoas não conseguem adequar um local que possibilite produtividade e qualidade de vida. “No começo da pandemia as pessoas reclamaram muito de cansaço, e isso pode estar ligado a não terem um espaço adequado para o trabalho”, diz. Muita gente precisou ou ainda precisa desempenhar as atividades no sofá ou na mesa da sala de jantar, o que impacta significativamente no desempenho. “Nosso cérebro cria associações para tudo. Quando estamos na mesa de jantar, por exemplo, ele remete a uma situação de descompressão e acaba gastando mais energia para trabalhar”, afirma Priscilla. 

Novo perfil de liderança

Com o trabalho remoto, o papel da liderança fica ainda mais latente e o estilo de gestão deve mudar. Uma pesquisa feita pela PwC com 1.200 trabalhadores mostrou que a maioria espera um líder mais próximo, humano e sensível. “Se precisamos de líderes inclusivos, é preciso treiná-los para serem inspiradores, terem conversas significativas e construtivas, e olharem individualmente para as pessoas”, diz Tatiana, sócia da consultoria. 

A farmacêutica Boehringer Ingelheim Brasil está fazendo isso. A multinacional apostou em uma série de treinamentos para capacitar os gestores, dando ainda mais ênfase a temas como colaboração, agilidade e empatia. Entre os cursos estão liderança humanizada, gestão de times remotos, segurança psicológica, inteligência emocional e liderança por propósito. O foco da empresa está no aprendizado na prática. Portanto, outras frentes são necessárias para apoiar o desenvolvimento da chefia. “Reforçamos o programa de mentoring e coaching e lançamos o de mentoria reversa, em que líderes mais experientes aprendem sobre tecnologia e mentalidade digital com funcionários mais jovens”, explica Esteban Ziegler, diretor de recursos humanos da Boehringer Ingelheim Brasil. 

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Outro ponto importante para que o modelo híbrido de trabalho seja bem-sucedido é incentivar o protagonismo do funcionário. Segundo o executivo, esse comportamento tem sido estimulado de diferentes maneiras, desde a execução do trabalho até a participação em projetos de longo prazo. Um exemplo é o grupo de cocriação sobre o futuro da companhia, formado voluntariamente por funcionários de todos os níveis (de estagiários a diretores). O comitê criado para atuar na pandemia e na criação do modelo híbrido de trabalho também segue esses moldes e é composto de empregados de todas as áreas, inclusive a fabril, e de todas as hierarquias. “As transformações geram medo, ainda mais em uma situação de pandemia. Fazer uma gestão da mudança com proximidade, transparência e colaboração é essencial”, diz Esteban. 

Reforço de cultura

Os valores corporativos são parte importante do processo de migração para o estilo híbrido de trabalho. E nesse aspecto a atuação da área de gestão de pessoas se mostra crucial. “O RH é o grande estrategista e o adaptador de cultura. É preciso implementar uma cultura de confiança e flexibilidade para que esse modelo dê certo”, diz Maria Augusta, da HSM. Isso está no radar da empresa de tecnologia Rappi, que irá adotar globalmente o anywhere office. “A principal preocupação nesse processo é manter o engajamento e a energia das pessoas no trabalho, assim como a nossa cultura”, diz Martin Martorell, diretor de RH da empresa no Brasil. 

Nesse sentido, a Rappi lançou uma campanha de comunicação de reforço cultural, na qual aborda temas como convivência interna e tratamento de clientes. “Partindo disso, selecionamos cinco líderes com impacto global na empresa para serem embaixadores dessa marca”, explica Martin. Além disso, toda segunda-feira acontece a All Hands, uma reunião com Juan Camilo Zarruk, diretor-geral da Rappi no Brasil, para manter o engajamento e o alinhamento do time. “Sabemos que, com o distanciamento, é comum reduzir a interação entre as áreas. Esse encontro ajuda a juntar as pessoas e colocá-las a par das novidades”, diz Martin. O momento também é aproveitado para que cada líder novo se apresente para o time completo. A participação é voluntária, mas a aderência é alta, com uma média de 500 pessoas assistindo.

A empresa decidiu oferecer três espaços de trabalho aos empregados: o virtual, que disponibiliza toda a tecnologia para que o funcionário trabalhe de onde quiser; o do escritório, que passará a funcionar como um coworking; e o de trabalho remoto, para o trabalho em casa com o apoio de kit com cadeira, mousepad, suportes para os pés e para o notebook, e apoiador ergonômico de pulso. “A ideia não é dizer às pessoas o que fazer, e sim confiar que elas vão tomar a melhor decisão. Agora os funcionários podem trabalhar de onde quiserem: do escritório, de um café, de casa ou de uma fazenda”, diz Martin. 

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Não se trata de algo simples nem rápido de fazer. Mas, se o modelo fizer sentido para o time, todo o esforço vai valer a pena e se refletirá em uma cultura forte e em profissionais mais engajados.

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