Carta ao leitor: Recuo inaceitável
O retrocesso de empresas na pauta da diversidade reforça um ciclo de desigualdade que todos pagamos para sustentar. Saiba por quê.

Confesso que tenho medo dessa névoa de ataque à diferença que paira sobre nós. Ainda que exista incerteza quanto à crescente mentalidade retrógrada nos escritórios, é fato que alguns programas de inclusão – antes celebrados – estão mais tímidos, e orçamentos vêm sendo cortados silenciosamente. Quem sabe o tamanho do horror que está por vir? Não à toa, diversas empresas não quiseram se pronunciar sobre a questão para nossa reportagem de capa – mesmo as que têm excelentes práticas de diversidade e inclusão. O medo não é só meu.
Mas a quem interessa esse acesso negado a quem escapa do padrão homem branco e hétero? Certamente não à sociedade, que perde a chance de construir ambientes mais justos e criativos. Quando as portas se fecham para a pluralidade de vivências, fecham-se também para a riqueza de perspectivas distintas. A diversidade nunca foi apenas uma questão de representatividade – ela é, sobretudo, uma alavanca de transformação, um convite para enxergarmos o mundo com um olhar mais amplo, mais generoso, mais humano.
No calor das mudanças sociais e tecnológicas, a insistência em homogeneizar o pensamento é mais do que um desperdício: é um risco. Pesquisas reiteram que empresas com equipes diversas são mais lucrativas, mais resilientes e mais preparadas para enfrentar as complexidades do mundo contemporâneo. E eles sabem disso.
No entanto, os números, por si só, não bastam. É preciso lembrar que cada rosto, cada história, cada trajetória que se perde em um movimento de exclusão representa um futuro que deixamos de construir. Cada pessoa afastada por não se enquadrar em um molde estreito de “normalidade” leva consigo um potencial de inovação, de empatia, de diálogo real.
E o retrocesso na pauta da diversidade não é neutro. Ele reverbera para além dos muros corporativos, reforçando um ciclo de desigualdade que todos pagamos para sustentar. Por isso, a escolha de resistir a esse movimento de natureza bastante política não é apenas uma opção de negócio: é uma decisão ética. Porque eu não sou o único que quero me beneficiar do brilho dos meus colegas LGBTQIA+, minhas superiores mulheres, os raros negros e PCDs que encontro em cargos de gestão nas empresas. Com eles, só temos a ganhar e aprender.
Que percam, então, os que acreditam que a Terra é plana e a humanidade só tem uma cor, um gênero, um modo de pensar a vida e o trabalho.
Este texto faz parte da edição 97 da revista Você RH, que você já encontra nas bancas.